Quarta-feira, 31 de maio de 2023.

Pedido Ação Civíl Pública

Instituto Presidente João Goulart (IPG), solicitou ao Ministério Público Federal a ABERTURA DE INQUÉRITO CIVIL para apuração das circunstâncias em que ocorreu a morte do presidente JOÃO BELCHIOR MARQUES GOULART, em 06 de dezembro de 1976, na Província de Corrientes, na Argentina, por diversas razões de fato e de direito:
 
I – Da Comissão Externa da Câmara de Deputados
 
            Em primeiro lugar , o Congresso Nacional já manifestou o interesse coletivo na apuração da hipótese de assassinato do presidente durante seu exílio no exterior:
 
“Recuperar a imagem de um homem público probo, dedicado ao povo brasileiro e à grandeza da Nação é um dever... principalmente para as novas gerações, que devem conhecer nossa História para dela extrair exemplos e lições.”
 
            Constituída, nos termos do artigo 38o do regimento Interno, por ato do Presidente, Deputado Michel Temer, em 23 de maio de 2000, a Comissão Externa no capítulo 1. de Introdução subscrito pelo Deputado Reginaldo Germano no Relatório Final admite:
 
            “Desde o início, contudo, os membros da Comissão estiveram conscientes do paradoxo que marcaria seus trabalhos. De um lado, tratava-se de garantir que um dos fatos mais significativos da História recente do país e do continente não fosse excluído do processo de avaliação do movimento repressivo que recentemente se abateu sobre o cone sul.
 
De outro lado, havia a consciência de que as circunstâncias da morte, ocorrida há vinte e cinco anos, sem que houvesse um laudo pericial adequado, não traziam grande esperança sobre o surgimento de alguma prova conclusiva a favor ou contra a hipótese de homicídio.
 
            “O relatório da Comissão reproduz fielmente as informações colhidas em depoimento, ainda quando não tenha sido possível encontrar-lhe o nexo preciso com a investigação, desde que mostrem alguma ligação com a morte de João Goulart ou com a situação política da época. Trata-se, afinal, de um repositório de informações para futuros investigadores.”
            A revisão histórica para preservação da Memória Nacional é um bem e um direito das futuras gerações e a investigação prevista pelos parlamentares se impõe com a recente divulgação de fatos e documentos que atestam:
 
·        A subversão da ordem jurídica e queda da democracia brasileira por meio de planejamento, patrocínio ilícito e intervenção externa; constituindo-se ato de agressão nos termos da Carta da OEA contra estado americano;
 
·        A perda da soberania por aparelhamento do Estado brasileiro e submissão da cúpula das forças armadas e do Ministério das Relações Exteriores ao comando de interesses estrangeiros;
 
·        Traição e corrupção de autoridades e parlamentares brasileiros sejam sob a forma de financiamento de campanhas eleitorais, seja por recrutamento ideológico com base na doutrina de segurança nacional anticomunista, seja por outros meios ignorados;
 
·        Dolo na fraude promovida pelo então presidente do congresso nacional, senador Auro de Moura Andrade, ao declarar a vacância da presidência para dar foros de legalidade ao golpe militar de 31 de março de 1964;
 
·        Envolvimento do corpo diplomático brasileiro em atos de espionagem, monitoramento e repressão de exilados políticos por gestão do CIEX e da CIA;
 
·        Extermínio dos oponentes ao regime militar e dos líderes políticos engajados na restauração da democracia no Cone Sul;
 
·        O assassinato do presidente João Belchior Marques Goulart por envenenamento promovido por operação conjunta de aparelhos secretos repressivos do Brasil e do Uruguai; aparato continental articulado pela CIA;
 
·        Promoção da desarticulação do ESTADO representante da sociedade brasileira, estratégia conhecida como “guerra fechada”, mediante corrupção, traição e recrutamento ideológico de militares da ativa, autoridades e líderes políticos; desordem social e insegurança pública; esgotamento do excedente de riqueza por usura; desinformação e propaganda; etc.
 
 
II - As Recomendações do Relatório Parlamentar
 
O capítulo 6. Conclusãodo Relatório Final da Comissão Externa da Câmara dos Deputados é contundente ao inserir a investigação num contexto histórico mais amplo de violenta intervenção externa no Cone Sul e por antecipar diversos aspectos revelados recentemente, in verbis:
 
“João Goulart morreu em 6 de dezembro de 1976, na cidade de Mercedes, Argentina, país governado por uma ditadura militar. Seu corpo, colocado às pressas num caixão, descalço, em traje de dormir, não foi autopsiado, nem no país em que faleceu, nem no Brasil, País em que foi enterrado e que também vivia sob jugo de uma ditadura. Ambos os regimes seriam os mais interessados em esclarecer a morte do ex-presidente, se ela decorresse de causas naturais. Até porque, à época, os assassinatos políticos proliferavam na América do Sul – e, em particular, na própria Argentina.
A Operação Condor já se tornava visível. Uma bomba explode no carro e mata o general Carlos Prats, Comandante-em-Chefe do exército chileno sob o Governo Allende, e sua esposa Sofia Cuthbert, em setembro de 1974, dois anos antes da morte do ex-presidente brasileiro. Em setembro de 1976, já próximo à morte de João Goulart, é assassinado, em Washington, o Ministro do Interior e Defesa de Salvador Allende, Orlando Letelier. Temos, ainda, a incriminar os agentes da Operação Condor, os assassinatos do general Juan José Torres, ex-governante boliviano, que apareceu morto com um tiro na nuca, do ex-presidente da Câmara de Deputados, Héctor Guitiérrez Ruiz, e do ex-Senador Zelmar Michelini, uruguaios, os três mortos em Buenos Aires, Argentina, os três em 1976, ano da morte de João Goulart, repetimos.
Esses exemplos são, apenas, de tragédias visíveis, pela própria visibilidade das vítimas. Mas a coordenação repressiva era muito mais ampla. O prêmio Nobel da Paz, Adolfo Pérez Esquivel, quando prestativamente recebeu membros desta comissão na Argentina, declarou que, ao ser detido em São Paulo, no ano de 1975, no Dops, onde o encapuzaram e o interrogaram a noite toda, eram-lhe mostrados, sob o capuz, informes da polícia argentina, da polícia chilena, tornando-se explícito, por iniciativa dos próprios agentes da repressão, que ele era vítima de uma operação continental.
Nossos trabalhos foram marcados pelo surgimento e acúmulo de fatos novos, alguns descobertos pela própria Comissão, outros descobertos nas demais instâncias em que se desenvolviam e desenvolvem investigações sobre a Operação Condor. Mês a mês aparecem, nos países do Cone Sul, novas informações, pelo aprofundamento da pesquisa nos arquivos já conhecidos, ou se descobrem novos arquivos, até recentemente desconhecidos. De outra parte, é cada vez mais clara a participação de órgãos de informação estadunidenses na articulação dos aparelhos repressivos da América do sul – e, também no país do norte, documentos governamentais reservados vão sendo lentamente desclassificados, abrindo campo para a análise, necessariamente longa e cuidadosa, do que neles se contém.
 
Um único exemplo basta para indicar o muito que ainda há por fazer. Somente em 2001, muitos meses após a instalação desta Comissão externa, foi publicado, em nosso País, um trabalho acadêmico em que se explora um arquivo de documentos oficiais, procedentes de órgãos do Governo brasileiro envolvidos com a repressão às organizações de esquerda armada. Trata-se do já citado livro do historiador Carlos Fico, Como eles agiam: os subterrâneos da ditadura militar: espionagem e polícia política, publicado pela Editora Record.
 
 Ora, trabalhos como esses são indispensáveis para bem compreender as circunstâncias da morte de João Goulart. Todas as descobertas recentes têm indicado que seu falecimento não pode ser analisado separadamente da conjuntura repressiva de meados da década de 70. Interessa a esta Comissão acentuar que as pesquisas mais gerais sobre a Operação Condor não ficarão completas enquanto a morte do ex-presidente não for corretamente situada no interior do processo repressivo.
 
Não se trata apenas, como já foi esclarecido, de investigar os poucos anos em que a Operação Condor se desenrolou com maior desenvoltura. É importante que ela seja incluída no processo histórico que começou com o golpe de Estado contra o Governo João Goulart em 1964 – e que se mostre como dirigentes políticos sul-americanos foram mortos na década de 1970 em função de um projeto político, para impedir o retorno de lideranças populares afastadas por uma sucessão de golpes nos anos anteriores.
Ademais, a análise não pode ficar apenas no nível factual, das ações repressivas em sentido estrito. O golpe de Estado de 1964, no Brasil, constitui momento importante, talvez o mais importante, da implantação de um novo projeto social, econômico e político para a América do Sul, uma verdadeira mudança estrutural na História do continente. A violência com que tal projeto foi implantado, aqui e nos países vizinhos, já deixa entrever o grau de exclusão social nele contido e o tipo de recurso necessário para impô-lo ao nosso povo.
Embora as investigações estejam apenas começando, e devam estender-se ainda por alguns anos, seria descabido manter esta Comissão em funcionamento semipermanente até que o quadro da História recente do continente esteja completo. Há de se entregar ao público o resultado dos trabalhos da Comissão para que ele se transforme em parte do imenso acervo que o Cone Sul da América está construindo a respeito de sua história recente.
            Certamente, o relatório que aqui apresentamos possui grande significado. Afinal, foram recolhidos dados e depoimentos que poderiam perder-se sem a atuação desta Comissão – que constituem, agora, um reservatório para as pesquisas a serem realizadas em outras instâncias. Em algum momento, quando mais informações se tiverem acumulado, é provável que nova Comissão venha a ser instalada, no próprio Congresso Nacional, para retomar as investigações que empreendemos.
            Ao concluir pela impossibilidade de colocar um ponto final na investigação, a Comissão oferece um serviço ao País. Primeiro, porque cumpriu seu papel investigativo, entregando ao público o material passível de recolhimento neste momento, preparando o terreno para investigações futuras. Depois, porque não forçou a verdade histórica em um sentido ou noutro, mantendo a coerência com os princípios de uma investigação imparcial.
            Jamais imaginamos encerrar essa história. Nossa proposta era iniciá-la. E o fizemos. Não há como afirmar, peremptoriamente, que Jango foi assassinado. Mas será profundamente irresponsável, diante dos depoimentos e fatos aqui consolidados, concluir pela normalidade das circunstâncias em que João Goulart morreu.
            Estamos escrevendo um modesto começo da história da Operação Condor no Brasil. O tempo, em breve, se encarregará de completá-la. (grifo nosso)
O texto subscrito pelo relator Deputado Miro Teixeira em 13 de outubro de 2001 antecipa e insere a morte do presidente João Belchior Marques Goulart num contexto histórico mais amplo cujos contornos antecipou e ora se definem num quadro explícito de subversão da ordem jurídica interna e por aparelhamento externo do Estado brasileiro.

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